16 fevereiro 2011

Episódios do quotidiano de uma Cidade Sem Lei

Susan Molly

Susan Molly empurrou a velha porta de madeira do quarto do motel. O corpo magro e exausto arrastou-se sobre a carpete imunda. Na penumbra, só se distinguia o fumo que saía de um cigarro pousado num cinzeiro sobre o chão. Susan não estranhou o silêncio e só se deteve quando tropeçou no corpo inerte do companheiro. O seu mais íntimo temor era que estivesse morto. Chamou-o, ao mesmo tempo que lhe abanava os ombros, e o homem moveu-se. Apesar dele ser a causa de tudo o que de mal lhe tinha acontecido no seu quarto de século de vida ficou aliviada de ainda estar vivo. O homem teve uma convulsão e vomitou abundantemente aumentando a poça nauseabunda junto a ele. Susan amava-o e cuidou dele, mais uma vez. Há cinco anos que era assim.
Susan tinha dezanove anos quando o charmoso motoqueiro parou a motocicleta junto à paragem do autocarro. Ela sempre se sentiu atraída pelos Bad Boys. Susan não esquece esse dia nem lamenta a perda dos livros da escola que deixou no receptáculo do lixo. Trocou a a promissora carreira na advocacia pela aventura e jamais se arrependeu. Nem o hematoma no olho direito que o último cliente da noite lhe fez a fazia reconsiderar. Amava tanto aquele homem que se dispunha a morrer por esse amor se tal lhe fosse solicitado. Foi também por amor que aceitou sempre, sem hesitar, aventurar-se nas arrojadas propostas do amante. Deixara-se levar pelas descargas descontroladas de adrenalina e perdeu por completo o senso moral do certo ou errado. Roubou, agrediu e até matou. O arrependimento não lhe tirava o sono. Miss Molly já não era a princesa educada pelas leis da igreja que os pais lhe ensinaram. Pelo contrário, transformou-se na vil bruxa má dos contos de encantar que ouvira na infância. Mas o pior de tudo era que estava satisfeita. Vivia a vida que tinha escolhido no submundo podre dos subúrbios da cidade.
Quando ficou sozinha, dada a prisão do marido, Susan não teve coragem de agir por sua conta. Faltava-lhe o músculo que a amparava na hora de fazer o mal. Contudo, ela recusou ceder à provação e, numa noite, apanhou um taxi para uma certa rua da cidade. Desconhecia o nome! “Para onde há gajas a atacar!” Disse para o taxista de maneira que este não tivesse dúvidas. Rangeu os dentes. Se ele estivesse ali o motorista iria passar um mau bocado. Mais uma vez, faltou-lhe a coragem. Foi com raiva que saiu do carro e com raiva que atendeu o primeiro cliente. E com a mesma raiva sai todas as noites do quarto do motel para trabalhar, assim ela lhe chama. É o sustento da casa!



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