23 fevereiro 2011

VIVER!

Por maior que o universo queira ser, nada me deu nunca maior prazer do que VIVER. Por mais evidente que isso seja, até que a morte mo privou, gastei cada momento no gozo de simplesmente existir. No mais simples ESPREGUIÇAR pela manhã, sentindo os músculos alongar, sentindo o friozinho que entra na barriga trespassando o pijama e que teima em subir para deixar entrar a brisa que se escapa por entre as juntas da janela mal calafetada. Ao BOCEJAR, escancarando abusivamente a boca, até ouvir o maxilar ranger de dor. URINAR em alívio, desenhando cada letra do meu nome com o fedorento repuxo dourado. Que alivio largar na branca louça da sanita o quente jacto que corta o ambiente gelado. COZINHAR, de uma forma mais pragmática e menos artística, um rápido pequeno-almoço, equilibrado nos nutrientes, efusivo nas cores, exótico nos aromas, guloso no palato, distribuído aleatoriamente pelo pequeno balcão da kitchenette. DEVORAR com gula cada bocado de comida, sorver ruidosamente cada gota de liquido, apanhar cada migalha do granito preto como se fosse o ultimo pedaço de satisfação, mastigar ruidosamente, alheio a etiquetas e boas maneiras! LIGAR A TV não interessado na programação matinal mas sequioso de barulho, sons que preencham o vazio dos quartos, cores que iluminem as paupérrimas paredes dos corredores. SENTAR, desenhando com o corpo os ângulos rectos que moldam os membros inferiores, costas direitas, olhar directo, compenetrado na tarefa a que me proponho. ESCREVER, deixando a imaginação fluir em cada tecla da velha máquina de escrever, sem vírgulas, porque já falta essa tecla à anciã senhora. Coleccionar palavras, frases, parágrafos, compô-los para que façam algum sentido ou talvez nenhum. LER e reler cada uma das frases escritas, em voz alta com boa dicção, sentir o texto fluir harmoniosamente entre o ouvido e o cérebro sem procurar o sentido mas apenas desfrutando da musicalidade estética da composição. TOMAR UM CAFÉ para recuperar o fôlego e avivar a chama da inspiração. Sentir o gosto amargo que queima a boca, encher os pulmões do agradável aroma exótico. PREGUIÇAR um pouco, deitado no sofá de olhos postos na TV mas com a mente viajando num outro hemisfério qualquer. Fechar os olhos, lentamente, sentir as pálpebras colarem uma na outra. DORMIR com sonoro ressonar fundindo o corpo com o cabedal do maple, sentindo a saliva esquivar-se da boca pelo canto como um bebé a quem os dentes pedem para romper as gengivas. SONHAR com o mais impossível e inconcretizavel dos desejos, lascivo e erótico, capaz envergonhar qualquer meretriz de tão refinada luxúria que se compõe. CONCRETIZÁ-LO sem pudor indiferente aos moralismos, nem que seja escrevendo-o numa página branca que possa inspirar os mais audazes mas menos inventivos. Eis o ORGASMO de criar, explorar o intelecto até ao limite para inovar e trazer o prazer aos que por ele anseiam. ACORDAR em sobressalto aliviado pela realidade ser um porto seguro que acalma a nossa alma naufragada pelos mares revoltosos do pensamento livre. FUGIR em alvoroço porta fora dessa segurança rumo ao desconhecido, embriagado pelo disparo de adrenalina e pela vontade em conhecer novas sensações. SENTIR a brisa do mar e o cheiro a maresia típicos das aldeias piscatórias. CORRER livre pela praia de pés descalços deixando efémeras pegadas no areal. MERGULHAR nas gélidas águas do Atlântico que espumam ao serem arremessadas contra as rochas pela força da ondulação. DESPIR as desconfortáveis vestes molhadas revelando o belo corpo esculpido por mão divina e alimentado pelas forças da natureza, perfeita obra de arte digna das mais belas pinturas e esculturas renascentistas. ACARICIAR com as faces das mãos o belo falo que se erecta aumentando de volume ao compasso do toque. GOZAR de prazer ejaculando o sémen sobre os grãos dourados da areia da praia empestando o ar com o seu cheiro enjoativo. VESTIR um robusto roupão turco quente e macio recuperando o calor no corpo e na alma. REGRESSAR a casa qual filho pródigo perdido na maldição do vicio e da imoralidade recebido no seio dos que o amam em festa e regozijo. FESTEJAR com vinho e iguarias em tal excesso que Baco invejaria tal comezaina. RECUPERAR das ressacas do quotidiano com caldos de tranquilidade e paz de espírito. AMAR os que me acompanham na diária resistência à adversidade e que retribuem com amor. DAR graças pelas coisas boas, perdoar as ofensas, esquecer os arrependimentos. FECHAR o livro da vida com a certeza que fui um homem com valor, amado e idolatrado mas também em momentos odiado, acusado de perversidade e imoralidade, com a certeza porém que cada momento desta vida valeu a pena viver e os viveria a todos quantas vezes mo fosse permitido.

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